“A
gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...”
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...”
(Titãs
-
Comida)
A
política
da
Psicanálise
inaugura
algo
subversivo
à
lógica
das
democracias
atuais.
De
um
lado,
a
Psicanálise
faz
caber
a
exceção
de
cada
um,
dando
lugar
à
singularidade
apresentada
no
sinthoma.
Do
outro,
a
massificação,
por
meio
da
ideia
do
“para
todos”
e de
“todos
iguais”,
traduz
o
modo
como
a
política
atual
concebe
sua
visão
da
sociedade:
míope,
homogênea,
igualitária.
Em
defesa
da
lógica
que
marca
a
exceção,
faremos
um
recorte
particular,
subjetivo
e
único
da
prática
do
Consultório
de
Rua
-
PBH
(CR),
seguindo
os
horizontes
desta
cidade
que
propõe
e
sustenta
o
lugar
deste
dispositivo
como
acompanhante
daqueles
que
tomam
o
espaço
da
rua
para
fazer
uso
de
drogas.
A
oferta
de
cuidados
em
saúde
e
a
articulação
de
Rede,
com
base
no
viés
da
Redução
de
Danos
e
Reforma
Psiquiátrica,
é
algo
novo
para
a
cidade
e,
ainda
mais,
inaugura
a
responsabilidade
do
poder
público
nas
chamadas
“cenas
de
uso”
de
drogas.
Essa oferta vai na
contramão
das
políticas
higienistas
do
“para
todos”
que
constantemente
param
caminhões
para
recolher,
levar
e,
mesmo,
limpar
a
cidade
desses
que
escapam
à
norma
social
e
apontam
para
um
gozo
excessivo.
A
escolha
da
região
do
município
de
Belo
Horizonte
que
deu
início
ao
trabalho
do
CR
foi
a
chamada
“crackolândia”
da
cidade,
a
Pedreira
Prado
Lopes
(PPL).
O
desafio
é
inaugurar
outra
lógica,
num
lugar
marcado
pela
presença
das
políticas
homogeneizadoras.
A
associação
crack,
lixo,
resto
não
dá
lugar
à
subjetividade.
É
preciso
subverter!
Para
tanto,
a
apresentação
deste
dispositivo
será
conduzida
por
Lucas3,
15
anos,
que
foi
conhecido
logo
no
início
do
trabalho
de
campo
na
PPL.
Percebe-se
que
ele
é
um
dos
únicos
adolescentes
que
circula
pela
região
fazendo
uso
de
crack,
uma
exceção.
Chama
atenção
por
sua
baixa
estatura,
por
estar
sempre
entre
os
adultos,
pela
postura
arredia
e
desconfiada
diante
da
presença
do
CR.
Aos
poucos,
dá
alguns
sinais
de
que
a
aproximação
da
equipe
passa
a
ser
bem-vinda:
passa
a
cumprimentar
de
longe,
o
que
permite,
no
tempo
do
adolescente,
chegar
mais
perto.
O
que
se
anuncia
de
peculiar
no
estar
ao
lado
de
Lucas
é
ele
sempre
se
posicionar
de
modo
a
responder
às
abordagens
do
CR
de
forma
escorregadia.
Demonstra
dificuldade
em
fazer
laço
e,
quando
lhe
é
colocado
um
convite
para
conversar,
“trocar
ideia”,
responde:
“tô
com
fome”.
Um
ponto
autístico
do
gozo,
que
aponta
para
a
precariedade
dos
recursos
simbólicos.
Escapa
à
abordagem,
às
tentativas
de
fazer
borda.
Faz
um
furo!
É
a
partir
desse
ponto
que
se
localiza
o
lugar
de
Lucas
para
as
Políticas
Públicas
que
ofertam
proteção
às
crianças
e
aos
adolescentes.
É
conhecido
como
aquele
que
faz
uso
de
crack,
evidencia
o
furo
da
Rede
e
que
não
tem
“aderência”
ao
que
lhe
é
proposto.
Já
foram
feitas
diversas
tentativas
de
inclusão,
reinserção,
já
que
Lucas
por
volta
dos
10
anos
de
idade,
após
o
assassinato
de
seu
irmão
mais
velho,
iniciou
um
desligamento
da
escola
e
da
família,
marcando
seu
encontro
com
as
ruas
e
sua
relação
com
as
drogas,
embora
ele
tenha
sido
abordado
poucas
vezes
fazendo
uso
de
crack.
Miller
(2003)
nos
adverte
que
a
desinserção
é
um
dos
nomes
para
tratar
o
real
de
nossa
época.
Ao
lado
das
Políticas
Públicas,
está
presente
uma
ânsia
por
solução,
quase
sempre
marcadas
pela
via
da
política
do
“para
todos”,
saídas
que
perpassam
pelo
viés
da
institucionalização.
É
algo
que
está
colocado
pela
lógica
de
inserção
a
todo
custo.
As
políticas
caem
numa
exigência
superegoica
em
nome
da
proteção.
Sob
a
ótica
da
Psicanálise,
Laurent
ensina
que
“a
solução de cada um pode ser mais ou menos típica, mais ou menos
apoiada sobre a tradição e as regras comuns. Ela pode, ao
contrário, desejar realçar a ruptura ou uma certa clandestinidade”
(LAURENT, 2006).
O
desafio
é
se
colocar
de
um
outro
modo,
frente
a
esse
sujeito,
subverter
a
lógica
do
“para
todos”,
acolhendo
os
furos
que
ele
apresenta,
como
ensina
a
Psicanálise.
Assim,
a
presença
do
CR
dá
como
primeira
resposta
ao
“tô
com
fome”
a
oferta
de
lanches
e,
aos
poucos,
faz
surgir
intervalos
maiores
entre
guloseimas
e
bate-papos.
Há a construção
de
um
laço
singular,
respeitando
a
frouxidão,
os
laces
e
desenlaces.
Assim,
Lucas
começa
a
ter
um
lugar
de
referência
com
o
dispositivo.
Aponta
para
um
significante
da
transferência
quando
me
diz:
“você
é
da
rua”.
Demanda
sempre
por
comida,
e
são
feitas
outras
ofertas:
cinema,
bate-papo,
passeios,
outras
formas
de
apropriação
da
cidade.
Aceita
alguns
convites
ou
sai
correndo,
outras
vezes,
quando
a
presença
se
faz
excessiva.
A
proximidade
faz
emergir
uma
pergunta:
“Vocês
num
levam
pra
casa,
não?”.
E
então
é
acompanhado
até
sua
casa
algumas
vezes.
Percebe-se
um
laço
afetivo
de
Lucas
com
a
família.
“Nunca
deu
trabalho
em
casa.
“Ele
me
respeita
muito”,
diz
sua
mãe.
Faz
o
constante
movimento:
rua-casa-rua.
Circula
em
diversos
pontos
da
cidade,
está
sempre
entre
adultos,
e
aí
se
faz
presente
a
oferta
de
proteção
e
cuidados,
já
que
é
conhecido
como
o
“menor”
do
grupo.
Desperta
no
outro
o
desejo
de
cuidar!
Encontra,
na
sua
relação
com
a
rua,
um
Outro,
um
lugar.
Foi
preciso
entrar
no
circuito
do
gozo
“tô
com
fome”,
para
que
as
articulações
junto
a
Lucas
se
tornassem
possíveis,
e,
assim,
tem-se
a
abertura
para
ofertar
um
lugar
de
tratamento,
permite
incluir
algo
novo
em
seu
percurso.
Lucas
é
conhecido
pela
equipe
do
Centro
de
Referência
em
Saúde
Mental
da
Infância
e
Adolescência
(Cersami),
mas
diz
não
gostar
de
remédio,
nem
de
médico:
“prefiro
ir
lá
pra
jogar
futebol,
fazer
um
lanche”.
Com
a
possibilidade
de
ser
acompanhado
pelo
CR,
aceita
ir
até
lá
para
“bater
bola”.
É
bastante
cordial
quando
chega
ao
serviço
e
se
apresenta
de
outra
forma.
Abraça
as
pessoas
da
equipe
técnica,
demonstra
alguma
familiaridade
com
o
serviço.
Fica
por
ali
durante
um
tempo,
permite
alguma
aproximação,
mas
logo
já
fala
“eu
num
vou
ficar
aqui
não,
vou
embora”.
Diz
que
está
com
fome,
faz
um
lanche
e
pede
para
retornar
para casa.
Entramos
na
rota
desse
curto-circuito
rua-casa-rua,
e
uma
pergunta
se
instala:
“Você
pede
para
ser
levado
pra
casa,
para
vir
pra
rua
de
novo?”
Responde
de
prontidão:
“Está
tudo
muito
confundido
mesmo”.
É
assim
que
Lucas
se
apresenta,
aponta
estar
fundido
no
Outro
e
demarca
uma
localização
subjetiva
para
o
sujeito.
A
confusão
está
posta,
faz-se
uma
aposta:
a
de
constituir
outros
Outros,
modos
mais
flexíveis
de
gozo.
REFERÊNCIAS
GUERRA,
A.
M.
C.:
GENEROSO,
C.
M.
A
inclusão
social
pensada
a
partir
da
desinserção:
uma
contribuição
da
psicanálise
ao
campo
da
saúde
mental.
Disponível
em:
http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/posteres_iv_congresso/mesas_iv_congresso/mr08-andrea-maris-campos-guerra-e-claudia-maria-generoso.pdf.
Acesso
em:
10
ago.
2012.
LAURENT.
É.
"Princípios
diretores
do
ato
analítico” In:
A
sociedade
do
sintoma
–
a
psicanálise,
hoje.
Rio
de
Janeiro:
Contra
Capa,
2006.
Disponível
em:
http://ebpsp.node.com.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=634:princ%C3%ADpios-diretores-do-ato-anal%C3%ADtico-%28v-enapol-preparatoria%29&catid=26:resenhas&Itemid=57.
Acesso
em
10
ago.
2012.
MILLER,
Jacques-Alain. Rumo à PIPOL 4. Correio
– Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, São
Paulo, n. 60, p. 7-14, 2003.
__________________________________________________________________________________
2
Psicóloga
do
Consultório
de
Rua
Noroeste
e
do
Centro
de
Referência
em
Saúde
Mental
da
Infância
e
Adolescência
(Cersami)
– Secretaria
Municipal
de
Saúde
– PBH.
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