segunda-feira, 27 de maio de 2013

Pronunciamento do Deputado Ivan Valente sobre o PL 7.663, que altera a atual legislação sobre drogas

O SR. IVAN VALENTE (PSOL-SP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu quero deixar como lido nesta Casa o nosso pronunciamento Política Antidrogas no Brasil: Um Esforço para Estar na Vanguarda do Atraso. É a respeito do substitutivo que vai ser votado, o de nº 7.663, de 2010. Esse projeto realmente traz muitos problemas, como a ampliação de penas, a internação compulsória e a utilização de comunidades terapêuticas.
Nesta semana, felizmente, tivemos entrevistas de pessoas como o ex-Presidente da Colômbia,
César Gaviria, que rigorosamente cita exemplos mundiais. Mostra que o Brasil está querendo seguir na contramão de bons exemplos como o de Portugal e de outros países europeus, e quer seguir o exemplo americano, que tem uma grande autocrítica.
É lógico que isso envolve, na verdade, instituir uma política do medo, dizendo que há uma epidemia de crack e, evidentemente, é internar compulsoriamente pessoas, violando os direitos humanos.
Sr. Presidente, nós entendemos que, quando as pessoas são internadas compulsoriamente, 98% delas voltam às ruas, de acordo com estatísticas comprovadas por instituições confiáveis.
Nós entendemos que essa política que está sendo aplicada em São Paulo também significa, na verdade, uma grande higienização para pobres e negros. Por isso somos contrários a esse projeto e quero dar como lido este pronunciamento.
Agradeço a tolerância.


PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Câmara dos Deputados pode votar rapidamente hoje o Projeto de Lei nº 7.663, de 2010, que prevê a internação compulsória de usuários do crack e o aumento da pena para traficantes, além de destinar recursos públicos do Sistema Único de Saúde para entidades privadas realizarem o tratamento dos usuários. Nos últimos dias, felizmente, tivemos na imprensa muitas informações sobre a execução de políticas antidrogas no Brasil e em outros lugares do mundo. E tivemos, portanto, ainda mais elementos para afirmar que esse projeto é um equívoco de proporções imensas.
O projeto que a Câmara pode aprovar inclui medidas preocupantes e que, se aplicadas, colocam em risco não apenas a eficiência da política antidrogas, mas também interfere dramaticamente no sistema prisional, já abarrotado, e até no ambiente escolar. O Brasil pode caminhar com ele na contramão de tudo o que vem sendo desenvolvido com sucesso no exterior para aderir à saída fácil da violência institucional. Certamente não é um mérito.
Na última segunda-feira (6), a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com o
ex-Presidente colombiano César Gaviria, um dos três ex-Presidentes da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Citando o exemplo de Portugal, que tem desenvolvido uma política bem-sucedida, que tem reduzido a violência, a corrupção e que permite ao Estado enfrentar problemas como o do crack, Gaviria é claro ao dizer como o Brasil está no caminho errado.
"O que o Brasil faz, em contrariedade com toda a América Latina, Europa e Estados Unidos, é começar o caminho de criminalizar mais o consumo ou de pensar que enfiar mais pessoas na prisão vai resolver os problemas. Obviamente, é preciso combater os cartéis. Mas é possível apoiar os consumidores no sistema de saúde", afirma o ex-Presidente.

No debate sobre o Projeto de Lei nº 7.663, de 2010, chegou-se a propor ainda um cadastro nacional baseado em informações que passam pela escola. O caráter antipedagógico da medida fica evidente por que um dos pilares do êxito do ambiente escolar é justamente a relação de confiança que precisa ser estabelecida entre professor e aluno. É a instituição da deleção na escola, quando se diz que medidas legais serão tomadas a partir desse cadastro, e algo totalmente contrário à pedagogia e ao papel da escola.
Trata-se de instituir uma politica do medo, inspirada na tese de que há uma "epidemia" de crack no Brasil. Como disse César Gaviria à Folha, "o
principal problema no crack, e se viu há pouco nos EUA, onde a diretriz está sendo retificada, é que termina sendo uma política terrivelmente discriminatória contra afro-americanos e pobres. Ser mais duro com o crack do que com as outras drogas só serve para enormes discriminações e para que pobres e negros acabem nos presídios".
No caso da internação compulsória, um dos pilares do Projeto de Lei nº 7.663, de 2010, o apelo atual é generalizado e arbitrário, além de ser motivado, em muitos casos, por demagogia e pela necessidade de dar respostas rápidas a problemas complexos, como afirma nota do Fórum Popular de Saúde de São Paulo. Para o ex-Presidente Gaviria, trata-se de "uma política que se presta a todo tipo de abuso de direitos humanos. A China está abandonando por causa de enorme quantidade de abusos".
Especialistas afirmam que, no caso do crack, o modelo de tratamento a ser adotado deve ser o ambulatorial na rua, e não a internação, que tira a liberdade do indivíduo de forma arbitrária e acaba com o convívio social. Quando a pessoa volta para a rua, em 98% dos casos de internação compulsória, volta a procurar a droga. Para Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, o crack, a pobreza e a população em situação de rua são situações que convergem.
É uma medida que surge agora como uma boia de salvação para governantes que, por anos, mantiveram uma situação de desigualdade extrema nas cidades brasileiras e que, diante da sensação de medo da sociedade, tentam medidas sem apoio de especialistas. O resultado é uma política de higienização que discrimina a população mais pobre.
Em São Paulo, por exemplo, durante décadas Prefeitura e Governo do Estado deixaram a cracolândia se transformar em um local degradado, sem sequer garantir a limpeza urbana ou banheiros públicos na área. Dependentes em situação extrema de exclusão foram então empurrados para a marginalidade, expostos à ação de traficantes, para depois então serem tratados como criminosos.
Mas, afinal, para onde iriam os usuários, internados contra a própria vontade, já que está comprovado que não há capacidade de atendimentos na rede pública no curto prazo? Em São Paulo, o Governo chegou a improvisar um hospital psiquiátrico, deslocando seus pacientes para receber usuários de crack por períodos inadequados e para serem tratados por funcionários despreparados. Assim surgem as comunidades terapêuticas como a "solução" de alguns políticos.
O jornal O Globo mostrou na semana passada como funcionam muitas das entidades que querem se beneficiar dos recursos públicos do SUS. Segundo a publicação, a
comunidade terapêutica mantida pelo Deputado Marco Feliciano (PSC-SP), Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, promove atividades religiosas há 4 anos para tratar dependentes de drogas, principalmente jovens e adultos viciados em crack, mas não oferece atendimento psicológico, psiquiátrico ou qualquer medicação.
Ainda segundo O Globo, "a manutenção de comunidades terapêuticas se tornou importante filão eleitoral para as bancadas evangélica e católica no Congresso". Além de Feliciano, a Primeira Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputada Antônia Lúcia (PSC-AC), inaugurou uma comunidade no Acre. Há 30 anos o Senador Magno Malta (PR-ES) mantém ampla comunidade em Cachoeiro de Itapemirim (ES). E até mesmo o Deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), Relator do Projeto de Lei nº 7.663, de 2010, é fundador de um abrigo em Alagoas.

Essas comunidades podem se beneficiar diretamente das iniciativas do Governo Federal de financiamento a comunidades terapêuticas. O jornal informa que estão previstos R$130 milhões pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e R$100 milhões pelo Ministério da Saúde. A ordem do Planalto é liberar com rapidez o dinheiro, como parte do Programa Crack, é possível vencer, lançado pela Presidente Dilma no fim de 2011. O projeto, relatado por Carimbão, também beneficia diretamente as comunidades terapêuticas, com previsão de quatro fontes de financiamento para elas.
Ou seja, temos aqui Parlamentares decidindo o futuro de uma política antidrogas que pode colocar o Brasil na vanguarda do atraso global, enquanto eles legislam em causa própria.
Em 2011, uma inspeção do Conselho Federal de Psicologia em 68 entidades detectou "como regra" ausência de recursos terapêuticos. "São comuns interceptação e violação de correspondências, violência física, castigos, torturas, humilhação, imposição do credo, exigência ilegal de exames clínicos, como o teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares e violação da privacidade", cita o relatório.
Até mesmo sete ex-Ministros da Justiça dos Governos Lula e FHC se manifestaram contra diversos dispositivos do PL 7.663. Há pareceres contrários dos Ministérios da Justiça e da Saúde e o repúdio das entidades de direitos humanos. E, finalmente, há a experiência internacional, à qual os responsáveis por esse projeto - incluindo vozes do Governo, como a da Ministra-Chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann - convenientemente viram as costas. Não se trata de ignorar o problema, mas sim de aprender com a experiência e tomar medidas que, de fato, ajudem o Brasil a enfrentá-lo.
Muito obrigado.

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