segunda-feira, 17 de junho de 2013

Para uma política pública sobre drogas.


Texto proferido na abertura da Pré Conferência Municipal de Políticas Públicas Sobre Drogas da Região Centro-Sul, Belo Horizonte.
Por Arnor Trindade

 

Uma política sobre drogas é uma política para todos, pois todos são afetados, direta ou indiretamente pelo uso de drogas. Uma política para usuários e não usuários de drogas. Para diferentes usos, com diferentes finalidades, em diferentes contextos. Temos que pensar em públicos diversos, com suas características peculiares: gênero, etnia, condição social, faixa etária, etc. Pensando nos pontos estruturais desta conferência, tratamento, marcos regulatórios, prevenção e redes locais, darei minha contribuição a este respeito.



Pensando no eixo tratamento, há que se considerar que uma política pública sobre drogas não é só uma política para o toxicomano, o dependente quimico, o drogadicto, ou o dependente de drogas, nomeclaturas estas aliás que servem mais para caricaturar que pra definir, mais para estigmatizar que para diagnosticar.. Há pessoas, contudo, para os quais o uso de drogas está ligado ao sofrimento, às vezes a intenso sofrimento. Para estes, deve haver serviços de qualidade, com equipes e estruturas qualificadas para dar respostas eficazes à questão da dependencia ou do uso abusivo. Serviços que atuem de acordo com a ética e com a lei, mas também com respaldo técnico e teórico das práticas desenvolvidas. Respostas prgmáticas, inclusivas, que respeitem a singularidade de cada um, sua constituição física e psíquica e sua inserção na sociedade. Devem ser considerados, na estruturação de uma política, os vários aspectos que envolvem o uso abusivo e sofrido de drogas ou , como queiram, as dependencias.. Sim, pois são várias as dependências: do homem que bebe diariamente após o trabalho no bar ao lado de casa à senhora triste que o aguarda se entupindo de diazepam, do jovem que fuma seus vários baseados diários ao pai atônito que não entende onde errou e acende o vigésimo cigarro do dia, do médico, enfermeiro ou caminhoneiro que usam anfetamina para suportar as longas jornadas de trabalho ou o gari, que toma aguardente, para suportar trabalhar todo dia com o lixo, do usuário de crack com seu cachimbo ou lata sob o viaduto ao estudante cheirando cocaína no banheiro da faculdade, do etilista demenciado que já não elabora mais sobre o uso, que já não lembra mais onde esteve ontem, ao portador de sofrimento mental que quer mais uma dose de biperideno, da criança na rua que se intoxica do thinner barato facilmente encontrado na esquina ao jovem que experimenta o chá do lírio colhido no fundo do quintal e alucina ou surta, da namorada abandonada que toma toda uma cartela de ansiolíticos para apagar a dor ao rapaz triste e solitário que tem o frasco de chumbinho guardado para, mais uma vez, tentar se libertar; do jovem que quer ter o corpo de atleta com menor esforço e que toma anabolizantes , ao outro que, para se sentir seguro na relação, faz uso de viagra . As dependências são múltiplas e singulares, assim como são múltiplas e singulares as pessoas.



Ainda no campo do tratamento , há que se considerar a família. Mas devemos lembrar e saber que a família não é sempre aquela que é propagada na mídia: a boa famíla na qual surge um usuário de drogas que encarna todo o mal daquele grupo, o desestruturador de famílias, a ovelha negra, esta imagem de uma família sofredora, vítima, co dependente, que a mídia teima em nos fazer engolir. Há famílias e famílias. Há famílias onde todos usam drogas, lícitas ou ilícitas, há famílias envolvidas no comércio de drogas, legais ou ilegais, há famílias onde violências e abusos são embaladas pela coca ou pelo álcool, há crianças que antes de nascer já usaram muita nicotina. Estas famílias precisam de algum tratamento. E há também famílias onde as crianças são abusadas e violentadas, onde as mulheres apanham dos maridos, onde os irmãos se atracam na disputa por atenção, espaço ou por herança . . Uma pesquisa realizada em 2011 com os moradores de rua em Belo Horizonte mostrou que quase 90% não gostariam de voltar pra casa. A Universidade Federal de Porto Alegre realizou uma pesquisa onde mostra que a maioria dos meninos em situação de rua já usavam drogas em casa, no seio da família, antes de irem para as ruas. Pois é, família nem sempre é um bom lugar de se viver.





Mas há famílias também onde algumas drogas são usadas em ritos de união, de passagem, em confraternizações, em momentos de comunhão . Há também os usos de drogas onde o sofrimento não se evidencia, onde o que se coloca em primeiro plano é o prazer. Aqueles que usam em rituais, em festas, em confraternizações. Há usuários de drogas que provalvemente nunca vão demandar tratamento ou , quando muito, uma intervenção. Sabe-se que das pessoas que experimentam drogas, todas elas, apenas uma minoria se torna um usuário com o perfil de dependente. . Uma política pública sobre drogas deve ser também uma política para estes usuários. A eles deve ser assegurado tanto o direito à assistência em saúde, caso necessitem, quanto o direito de usar caso desejem, assegurado pela constituição.



Uma políica pública sobre drogas deve tratar da prevenção. Deve prever modelos interessantes de abordagem a jovens e adolescentes, com informações reais e não contruídas em cima de preceitos meramente morais ou ideológicos. Deve respeitar a peculariedade deste público e entender porque o uso de drogas é tão presente neste meio. Para tanto, devem haver pesquisas sobre modelos eficazes de prevenção e não a insistência em palestras nas escolas, mostradas por todas as pesquisas como ineficazes e por algumas até como incentivadoras do uso de drogas.



Do ponto de vista da legislação, uma política sobre drogas deve respeitar as legislações vigentes . As legislações atuais definem os modos de funcionamento dos dispositivos de saúde, das forças de segurança, das praticas assistenciais e preventivas. Algumas leis tem sido destacadas quando se trata desta questão: o ECA, a 10 216, que estabelece sobre as diferentes possibilidades de internação, a 11343 que é a atual lei sobre drogas, a RDC 29 que estabelece sobre o funcionamento das comunidades terapeuticas. Deve também preparar novas legislações atentas às questões do seu tempo. O mundo todo tem avançado na perspectiva de políticas mais inclusivas e menos repressoras. Está mais que provado o grande fracasso e o grande mal que as políticas de guerra às drogas tem provocado sobretudo nos países mais pobres. Milhares de jovens morrem todo ano não vitimados pelo uso de drogas, mas pelo contexto perverso que inclui tráfico, dívidas, corrupção e violência. O Brasil corre o risco, com o projeto atualmente tramitando no senado, de autoria do deputado Osmar Terra, de andar para trás nesta política, na contramão de outras experiencias exitosas pelo mundo. Deve haver a participação de usuários na construção da polílica e da legislação.Uma boa legislação sobre Deve alocar os recursos pertinentes a cada área de atuação.



Pensando nas redes locais, creio que o poder público deve fomentar a articulação entre as instituições. Os dispositivos públicos e privados, as diversas instituições, devem se articular. O tema não pode ser tabu eternamente. É preciso abordar o assunto nas escolas, nos centros de saúde, nas igrejas. Mas é preciso fazê-lo com boas informações, sem mitos , moralismo. Os profissionais de saúde, da assistência social da educação, da cultura e do esporte devem participar desta construção. As famílias, as igrejas, as ongs, as associações e grupos comunitários têm muito a contribuir. Os donos de bares e de drogarias devem participar. Os usuários de drogas devem ser estimulados à participação, pois são os principais afetados pelos rumos da política.



Espero que estes breves apontamentos venham a contribuir de algum modo para as discussões nesta manhã de trabalho.

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