Texto proferido na abertura da Pré Conferência Municipal de Políticas Públicas Sobre Drogas da Região Centro-Sul, Belo Horizonte.
Por Arnor Trindade
Uma
política sobre drogas é uma política para todos, pois todos são
afetados, direta ou indiretamente pelo uso de drogas. Uma política
para usuários e não usuários de drogas. Para diferentes usos, com
diferentes finalidades, em diferentes contextos. Temos que pensar em
públicos diversos, com suas características peculiares: gênero,
etnia, condição social, faixa etária, etc. Pensando nos pontos
estruturais desta conferência, tratamento, marcos regulatórios,
prevenção e redes locais, darei minha contribuição a este
respeito.
Pensando
no eixo tratamento, há que se considerar que uma política pública
sobre drogas não é só uma política para o toxicomano, o
dependente quimico, o drogadicto, ou o dependente de drogas,
nomeclaturas estas aliás que servem mais para caricaturar que pra
definir, mais para estigmatizar que para diagnosticar.. Há
pessoas, contudo, para os quais o uso de drogas está ligado ao
sofrimento, às vezes a intenso sofrimento. Para estes, deve haver
serviços de qualidade, com equipes e estruturas qualificadas para
dar respostas eficazes à questão da dependencia ou do uso abusivo.
Serviços que atuem de acordo com a ética e com a lei, mas também
com respaldo técnico e teórico das práticas desenvolvidas.
Respostas prgmáticas, inclusivas, que respeitem a singularidade de
cada um, sua constituição física e psíquica e sua inserção na
sociedade. Devem ser considerados, na estruturação de uma
política, os vários aspectos que envolvem o uso abusivo e sofrido
de drogas ou , como queiram, as dependencias.. Sim, pois são várias
as dependências: do homem que bebe diariamente após o trabalho no
bar ao lado de casa à senhora triste que o aguarda se entupindo de
diazepam, do jovem que fuma seus vários baseados diários ao pai
atônito que não entende onde errou e acende o vigésimo cigarro do
dia, do médico, enfermeiro ou caminhoneiro que usam anfetamina para
suportar as longas jornadas de trabalho ou o gari, que toma
aguardente, para suportar trabalhar todo dia com o lixo, do usuário
de crack com seu cachimbo ou lata sob o viaduto ao estudante
cheirando cocaína no banheiro da faculdade, do etilista demenciado
que já não elabora mais sobre o uso, que já não lembra mais onde
esteve ontem, ao portador de sofrimento mental que quer mais uma
dose de biperideno, da criança na rua que se intoxica do thinner
barato facilmente encontrado na esquina ao jovem que experimenta o
chá do lírio colhido no fundo do quintal e alucina ou surta, da
namorada abandonada que toma toda uma cartela de ansiolíticos para
apagar a dor ao rapaz triste e solitário que tem o frasco de
chumbinho guardado para, mais uma vez, tentar se libertar; do jovem
que quer ter o corpo de atleta com menor esforço e que toma
anabolizantes , ao outro que, para se sentir seguro na relação, faz
uso de viagra . As dependências são múltiplas e singulares, assim
como são múltiplas e singulares as pessoas.
Ainda
no campo do tratamento , há que se considerar a família. Mas
devemos lembrar e saber que a família não é sempre aquela que é
propagada na mídia: a boa famíla na qual surge um usuário de
drogas que encarna todo o mal daquele grupo, o desestruturador de
famílias, a ovelha negra, esta imagem de uma família sofredora,
vítima, co dependente, que a mídia teima em nos fazer engolir. Há
famílias e famílias. Há famílias onde todos usam drogas,
lícitas ou ilícitas, há famílias envolvidas no comércio de
drogas, legais ou ilegais, há famílias onde violências e abusos
são embaladas pela coca ou pelo álcool, há crianças que antes de
nascer já usaram muita nicotina. Estas famílias precisam de algum
tratamento. E há também famílias onde as crianças são abusadas e
violentadas, onde as mulheres apanham dos maridos, onde os irmãos se
atracam na disputa por atenção, espaço ou por herança . . Uma
pesquisa realizada em 2011 com os moradores de rua em Belo Horizonte
mostrou que quase 90% não gostariam de voltar pra casa. A
Universidade Federal de Porto Alegre realizou uma pesquisa onde
mostra que a maioria dos meninos em situação de rua já usavam
drogas em casa, no seio da família, antes de irem para as ruas.
Pois é, família nem sempre é um bom lugar de se viver.
Mas
há famílias também onde algumas drogas são usadas em ritos de
união, de passagem, em confraternizações, em momentos de comunhão
. Há também os usos de drogas onde o sofrimento não se evidencia,
onde o que se coloca em primeiro plano é o prazer. Aqueles que usam
em rituais, em festas, em confraternizações. Há usuários de
drogas que provalvemente nunca vão demandar tratamento ou , quando
muito, uma intervenção. Sabe-se que das pessoas que experimentam
drogas, todas elas, apenas uma minoria se torna um usuário com o
perfil de dependente. . Uma política pública sobre drogas deve ser
também uma política para estes usuários. A eles deve ser
assegurado tanto o direito à assistência em saúde, caso
necessitem, quanto o direito de usar caso desejem, assegurado pela
constituição.
Uma
políica pública sobre drogas deve tratar da prevenção. Deve
prever modelos interessantes de abordagem a jovens e adolescentes,
com informações reais e não contruídas em cima de preceitos
meramente morais ou ideológicos. Deve respeitar a peculariedade
deste público e entender porque o uso de drogas é tão presente
neste meio. Para tanto, devem haver pesquisas sobre modelos eficazes
de prevenção e não a insistência em palestras nas escolas,
mostradas por todas as pesquisas como ineficazes e por algumas até
como incentivadoras do uso de drogas.
Do
ponto de vista da legislação, uma política sobre drogas deve
respeitar as legislações vigentes . As legislações atuais definem
os modos de funcionamento dos dispositivos de saúde, das forças de
segurança, das praticas assistenciais e preventivas. Algumas leis
tem sido destacadas quando se trata desta questão: o ECA, a 10 216,
que estabelece sobre as diferentes possibilidades de internação, a
11343 que é a atual lei sobre drogas, a RDC 29 que estabelece sobre
o funcionamento das comunidades terapeuticas. Deve também preparar
novas legislações atentas às questões do seu tempo. O mundo todo
tem avançado na perspectiva de políticas mais inclusivas e menos
repressoras. Está mais que provado o grande fracasso e o grande mal
que as políticas de guerra às drogas tem provocado sobretudo nos
países mais pobres. Milhares de jovens morrem todo ano não
vitimados pelo uso de drogas, mas pelo contexto perverso que inclui
tráfico, dívidas, corrupção e violência. O Brasil corre o
risco, com o projeto atualmente tramitando no senado, de autoria do
deputado Osmar Terra, de andar para trás nesta política, na
contramão de outras experiencias exitosas pelo mundo. Deve haver a
participação de usuários na construção da polílica e da
legislação.Uma boa legislação sobre Deve alocar os recursos
pertinentes a cada área de atuação.
Pensando
nas redes locais, creio que o poder público deve fomentar a
articulação entre as instituições. Os dispositivos públicos e
privados, as diversas instituições, devem se articular. O tema não
pode ser tabu eternamente. É preciso abordar o assunto nas escolas,
nos centros de saúde, nas igrejas. Mas é preciso fazê-lo com boas
informações, sem mitos , moralismo. Os profissionais de saúde, da
assistência social da educação, da cultura e do esporte devem
participar desta construção. As famílias, as igrejas, as ongs, as
associações e grupos comunitários têm muito a contribuir. Os
donos de bares e de drogarias devem participar. Os usuários de
drogas devem ser estimulados à participação, pois são os
principais afetados pelos rumos da política.
Espero
que estes breves apontamentos venham a contribuir de algum modo para
as discussões nesta manhã de trabalho.
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