EFEITOS COLATERAIS DA PSICANÁLISE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL*
Arnor Trindade
Neste texto pretendo levantar algumas questões a respeito da inserção da psicanálise no serviço público, sobretudo nos serviços de saúde mental, considerando o contexto da reforma psiquiátrica tal qual esta se processa em de Minas Gerais. Mais especificamente, pretendo apresentar esta situação como a presenciei nos quase quinze anos de exercício na saúde pública. Assim, pretendo trazer para o debate algumas implicações relevantes da psicanálise que pude observar ao longo deste período.
Imagino
que deve ser de conhecimento de todos a importância da psicanálise
para a reforma psiquiátrica em Minas Gerais. Apenas para situar, vou
fazer uma rápida súmula: Em meados da década de 70 várias
denúncias estavam acontecendo no Brasil em relação aos manicômios,
às situações desumanas em que viviam as pessoas que ali eram
trancafiadas. Uma série de reportagens chamada “Nos porões da
Loucura”, do jornalista Hiram Firmino, publicadas no Estado de
Minas, chocou a opinião pública ao denunciar esta situação. Logo
em seguida esteve no Brasil o psiquiatra italiano Franco Basaglia que
participou do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, e trouxe suas
ideias e propostas de construção de um novo modelo de atenção
para portadores de transtornos mentais, ideias estas que encontraram
aqui solo fértil diante da efervecência dos movimentos sociais.
Neste congresso também foi exibido o filme “Em nome da Razão”
do Helvécio Ratton. Tal movimentação ocorreu em todo país e pôs
em curso uma série de ações que culminou com a aprovação pelo
congresso da lei 10216, chamada lei antimanicomial. Em Minas Gerais
os principais atores deste primeiro momento da Reforma Psiquiátrica
foram psiquiatras com formação psicanalítica.
O
papel da psicanálise na construção dos modelos de atendimento em
saúde mental na reforma psiquiátrica em Minas Gerais nos parece,
portanto, fundamental. Feliz foi o encontro da proposta
antimanicomial de saúde mental comunitária, formulada na Italia,
com o desenvolvimento da psicanálise1,
sobretudo de orientação lacaniana, para a estruturação de uma
clínica que aposta na singularidade de cada um, na escuta, que
considera a clivagem subjetiva, os mecanismos psíquicos, a
transferência. Além de fundamentar várias propostas de cunho
político, ideológico, social, por sua concepção única do
sujeito e dos mecanismos da vida em sociedade, balizando assim a
estruturação da atenção, muitas são as práticas e o alcance
possível sustentados pela psicanálise na atenção a diferentes
públicos que frequentam os serviços de saúde mental. Se o efeito
prático, político e positivo da psicanálise nesta empreitada
parece evidente,a sua inserção no SUS traz, por outro lado, uma
série de questões colaterais que afetam a concepção do
tratamento no SUS, a rede assistencial de saúde mental e , em última
instância, a própria psicanálise.
De
início, há que se fazer, no entanto, uma constatação óbvia: o
SUS não recruta psicanalistas. Os concursos e os contratos do SUS
são para médicos, psicólogos, enfermeiros, etc. Espera-se portanto
que aqueles que ingressam na saúde pública exerçam estes ofícios.
Então, como entra aí a psicanálise? É de se observar que boa
parte destes profissionais, sobretudo em Belo Horizonte, têm alguma
incursão pela psicanálise. Seja por terem feito ou fazerem formação
nesta área, seja por estarem em análise, terem boa leitura da
psicanálise, fazer supervisão, etc. Lembrando que a formação se
dá, tradicionalmente, pela tripede análise, curso teórico e
supervisão, encontramos vários atores que estão mais ou menos
adiantados neste processo de formação. Não obstante, boa parte do
conteúdo teórico da psicologia, por exemplo, para o concurso
público advém da bibliografia psicanalítica, o que , de algum
modo, dá certo direcionamento da clínica pretendida. O que não
dissipa todas as questões: um médico, por exemplo, mesmo que
psicanalista, é contratado para exercer a prática da medicina. Para
isto ele é pago. Por isto ele é demandado pelo paciente. Que ele
utilize seu conhecimento de psicanálise como um viés na sua
atividade, como um ganho para a sua atuação é aceitável. Que ele
se proponha a efetivar a análise de um paciente neste contexto, não.
Bem,
se não são psicanalistas os contratados, seja por não terem a
formação completa, seja por não terem sido contratados para esta
função, refiramo-nos a estes atores como operadores da psicanálise
no SUS. Mas o que fazem estes operadores? Em que momento podemos
verificar dentro do repertório de condutas dos médicos, psicólogos,
terapeutas ocupacionais, enfermeiros e assistentes sociais algo que
se possa nomear como psicanálise?
Para
pensarmos esta questão vou trazer alguns conceitos à tona, não
para nos debruçarmos sobre eles, mas apenas para os considerarmos
nesta explanação. Um destes conceitos, que deve ser do conhecimento
de vocês, é o de psicanálise aplicada. Ele pressupõe, que em
oposição e em complemento a ele exista uma psicanálise pura. Tal
distinção parece a primeira vista uma analogia do que em ciência
chamamos ciência pura, aquela que se dedica à pesquisa, e ciência
aplicada, que consiste na aplicação do conhecimento obtido em
transformação de uma realidade qualquer. Se assim o for, podemos
fazer a ressalva que aí se apresenta um desejo de identificação
da psicanálise com um certo modelo de ciência. Acredito, no
entanto, que não seja este o caso, mesmo porque a pesquisa em
psicanálise nasce da clínica e não do laboratório, e a clínica
consiste, sem nenhuma dúvida, numa aplicação, numa praxis.
Uma
outra forma de tentar diferenciar uma psicanálise pura de outra
aplicada é afirmando o caráter estritamente terapêutico desta
última. Ora, não existe análise sem terapêutica. Aliás, todo o
edifício teórico montado por Freud nasce da sua busca por respostas
para o alívio de sintomas. Se se obtém com a psicanálise algo
mais, não vem ao caso. Mas não podemos desprezar o fato de que a
psicanálise tem uma função terapêutica, e embora não se resuma a
esta função, é em busca de resultados terapeuticos que boa parte
dos pacientes procuram o psicanalista. Há, no entanto, aqueles que
buscam mais que o efeito terapeutico da psicanálise. Tais pacientes
normalmente já estão seduzidos pela teoria psicanalítica e boa
parte deles busca a formação como analistas. Seria então a análise
pura a análise didática? De fato, é o que Lacan dá a entender,
quando fala da análise levada ao termo lógico2.
Mas também aí a distinção nos
ajuda pouco, pois ao determinar a análise pura por sua finalidade
teremos que assentir que só saberemos se a psicanálise foi pura ao
seu final.
De
qualquer modo, como já nos ensinou Freud, há que se desconfiar da
pureza. Ela cheira a ingenuidade ou a misticismo. A efetivação de
um processo de análise, qualquer que seja ele, não está isento de
determinantes externos como os socioeconômicos, culturais,
políticos, além das expectativas do analista (o que ele se propõe)
e do analisando (o que ele busca) bem como das condições psíquicas,
econômicas, culturais destes autores. Não podemos deixar de
considerar por sua importância as tendências teóricas e sua
implicações técnicas, bem como a abordagem de diferentes pacientes
como psicóticos e crianças que, via de regra, não respondem a uma
abordagem clássica que privilegia somente a fala. A ideia de uma
psicanálise pura faz um recorte de um paciente ideal, um analista
ideal e uma análise ideal. Ela representa, ao meu ver, o ideal de
análise do analista. Mas esta é uma questão por demais estéril
para ser abordada neste pequeno espaço.
Se
nos parece dúbia a pureza, também não devemos acreditar na
conveniência de uma aplicação qualquer. Diante da imprecisão do
termo 'psicanálise aplicada', alguns autores vão se utilizar de
outros termos para se referir à prática da psicanálise em
diferentes contextos como psicanálise implicada ou
psicanálise ampliada (LINS 2009), ao meu ver, preferíveis
àquele psicanálise aplicada3.
Sobretudo este último, psicanálise ampliada, me parece mais
adequado para pensar as situações das quais tratarei aqui. Mesmo
porque ele se articula com um conceito importante hoje no campo das
políticas públicas em saúde que é o de clínica ampliada, termo
este especialmente importante no contexto da saúde mental. Assim,
consideraremos, para efeito prático nesta explanação, que existe
uma psicanálise restrita a um contexto específico: em consultório
particular, com uso do divã, efetivada por um psicanalista que tenha
completado a sua formação “clássica” em uma instituição
psicanalítica, que tenha levado ao termo sua análise (didática ou
não) e que tenha passado pelo processo de supervisão, que atenda o
paciente neurótico, adulto, com certo nível intelectual e
cognitivo, de uma determinada classe social4.
Em oposição a esta prática, ou em complemento a ela consideraremos
a psicanálise operada em outros contextos.
Clínica
ampliada se refere a uma prática de atendimento a um indivíduo que
não desconsidere seus aspectos físicos, sociais, culturais,
psíquicos; que respeite a sua singularidade e formule para aquela
pessoa singular um plano de tratamento que articule, a partir das
suas necessidades , os dispositivos existentes em um serviço ou em
uma rede. É, portanto, uma clínica multidisciplinar, mas mais do
que isto, sua amplitude se dá no tempo (cuidado longitudinal-
responsabilização), no espaço (conceito de território), nas
possibilidades de intervenção e resultados, nos recursos
utilizados.
Talvez
ilustre melhor este conceito se comentarmos o modo de funcionamento
de um serviço substitutivo, um CAPS. No contexto da reforma
psiquiátrica no Brasil foram criados estes serviços chamados
substitutivos dos hospitais psiquiátricos , com vistas a promover um
tratamento mais humanizado, com maior liberdade, integrando o
portador de sofrimento mental à sua comunidade. Estes serviços, em
geral, fornecem algumas modalidades de assistência como permanência
dia, atendimento em grupos e oficinas, atendimentos individuais, etc.
Normalmente têm equipes compostas por psiquiatras, psicólogos,
enfermeiros, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. Estes
profissionais se tornam referência de casos, tornando-se os
principais responsáveis pela condução dos projetos terapeuticos
individuais elaborados para cada paciente. Com algumas variações,
em geral os técnicos de referência têm funções comuns e em
alguns CAPS exercem também atividades específicas, competências
próprias da sua área de atuação. Há três modalidades
principais: Os CAPS gerais, os CAPS infanto-juvenis e os CAPS AD.
Estes
profissionais podem fazer acolhimentos, visitas domiciliares,
consultas, relatórios, encaminhamentos, atendimentos em grupo e
individual, discussão de casos, atividades de convivência,
passeios, etc, com os usuários. Além é claro, das atividades
específicas a cada campo de atuação. Ao inserir um paciente no
tratamento o técnico de referência tem que estar atento a questões
subjetivas e objetivas, tem que avaliar a situação mental e os
aspectos emocionais do paciente, suas condições clínicas gerais,
sua apresentação, suas condições sócio econômicas dentre
outras, para estabelecer o início de um projeto terapeutico. Em
muitos casos ele tem que articular a rede de assistência,acionar
outros profissionais do serviço, outros dispositivos de saúde, da
assistência social, da justiça, etc, além da família e outras
pessoas que se relacionam com o paciente para o melhor manejo
possível do caso. A condução do caso, portanto, se dá numa
amplitude bem maior do que um atendimento clínico individual em
consultório. Requer do profissional muito mais do que a capacidade
de escutar e intervir pontuando, interpretando, diagnosticando ou
medicando5.
Os
profissionais representam para o paciente também a instituição,
com seus valores, sua cultura, seu modo de operar, sua representação
social, seu tempo e seus espaços. Representa o serviço público, de
modo geral, o discurso e as práticas da saúde e o papel funcional
naquele serviço. Sendo ele um operador da psicanálise, representa
também este papel. Estas diferentes representações tem efeitos
consideráveis na transferência, e portanto na clínica que ali será
conduzida. Por outro lado, este técnico de referência não
accompanha sozinho os casos clínicos. Vários atores são colocados
em cena na condução de um projeto terapeutico, a medida que o caso
demande.
Mas
nem todos os trabalhadores destes serviços operam com os conceitos
da psicanálise. E numa equipe multidisciplinar o profissional vai
ter que lidar com outras práticas e outros modos de compreender o
psiquismo. Embora em Belo Horizonte a concepção psicanalítica
predomine, ela não é unânime. Este fato traz, na prática, algumas
implicações interessantes. Duas delas tem que ser ressaltadas. A
primeira diz respeito à linguagem: vivi situações cômicas em
relação a isto. Lembro de casos de encaminhamentos de colegas
psicanalistas de serviços de saúde em BH que embora bem
escritos, criteriosos e cuidadosos na sua formatação, traziam um
linguajar muito específico da psicanálise de orientação
lacaniana. Quando estes encaminhamentos chegavam a outros serviços,
e eram recebidos por técnicos sem esta referência da psicanálise,
causavam grande embaraço, ao ponto de estes profissionais
solicitarem uma tradução, nem sempre possível, dos conceitos,
jargões e diagnósticos ali referidos. Por outro lado há uma
vulgarização dos conceitos da psicanálise, um uso descuidado de
termos como sujeito, inconsciente, outro, transferência, complexo de
édipo, etc, sem o zelo necessário ao uso destes conceitos na
clínica. Se de um lado temos um eruditismo desnecessário que se
manifesta num rebuscamento da linguagem, de outro temos um
empobrecimento dos conceitos.
Estes
equívocos podem estar , em certa medida, relacionados com as
supervisões. Existe um programa de supervisão clínica
institucional em andamendo nas redes de atenção à saúde. Em
alguns casos, os supervisores são psicanalistas. Em Belo Horizonte,
onde a psicanálise está desde sempre na constituição da rede, e
os supervisores são todos psicanalistas, estas questões não estão
ausentes. Muitos profissionais queixam de não entender o que se diz
na supervisão, chegando ao ponto de alguns absterem-se de
comparecer. Outros pensam ter entendido, e muitas vezes com pouco ou
nenhuma leitura em psicanálise, usam as terminologias e conceitos de
forma pouco criteriosa. Este é um desafio para o supervisor, que
está diante de muitas falas e muitos ouvidos. Felizmente, alguns
conseguem se fazer acessíveis sem perder a linha.
Estas
questões impactam nos projetos terapeuticos. Como se tratam de
equipes multidisciplinares, pontos de vista muitas vezes
inconciliáveis são colocados frente a frente na discussão e
condução de casos. É importante salientar que, em geral, como
padrão de diagnóstico, utiliza-se o CID 10, que está em vigor.
Esta categorização diagnóstica presente no CID é a que está
operando na rede de saúde pública. Então uma série de aspectos
importantes relacionados ao caso, desde sua condução (em qual
serviço será tratado, que medicamentos serão utillizados, qual o
manejo necessário) até em suas repercussões sociais, por exemplo,
nas questões de licença médica ou nas interfaces com a justiça, o
número colocado no papel é o que representa, em termos de
diagnóstico, o paciente. Assim sendo, ou se trabalha exclusivamente
com estes critérios diagnósticos ou se opera com dois critérios: o
do CID 10 e , no nosso caso, com os diagnósticos estruturais a
partir da psicanálise.
Nas
discussões clínicas, diante de um mesmo caso, temos profissionais
que operam com a psicanálise, com terapeutas cognitivo
comportamentais, com neurolinguistas, terapeutas transpessoais,
psiquiatras biologicistas, assistentes sociais, enfermeiro e
terapeutas ocupacionais e outros profissionais que não estão
inclusos nessas categorias. Achar um ponto nodal para a construção
do caso não é uma tarefa fácil.
Embora
a Saúde Mental trabalhe hoje com um amplo leque de patologias,
sintomas neuróticos diversos, depressões, ansiedades, manias,
compulsões, etc; e com diferentes públicos, crianças,
adolescentes, moradores de rua, detentos, toxicômanos, etc; fazendo
com que, para cada recorte destes exijam-se adaptações, tanto dos
serviços quanto dos profissionais que aí atuam; ela se estrutura a
partir da desospitalização e do atendimento da psicose. A decisão
da psicanálise de não recuar diante da psicose, já postulada por
Lacan, é então decisiva na tomada de rumo que ela assume e orienta
neste campo. É a partir do atendimento dos casos de psicose que dois
imperativos se colocam para a psicanalise no contexto da saúde
mental: primeiro no que diz respeito à técnica; já que não é
possível avançar no tratamento da psicose usando-se o método
clássico divã, associações livres, interpretações6.
Há que se recorrer, muitas vezes, a outros recursos para além da
fala. Há que se exigir outras intervenções, sobretudo considerando
o contexto político em que se deu, para além do consultório. O
segundo imperativo diz respeito à necessidade de operar junto com
outros saberes. No caso específico da psicose, não se trata, em
geral, sem os recusrsos psicofarmcológicos, sendo portanto
fundamental a presença do psiquiatra no tratamento. Além disso,
enlaçes e desenlaces sociais do psicótico, sobretudo nestes
momentos de desisnstitucionalização, colocam a necessidade da
presença de assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais, etc.
Vale
ressaltar que é nas instituições que a psicanálise vai ter maior
contato com a psicose. De fato, a formação do analista poderia, ou
deveria, incluir um certo percurso na clínica da psicose. Acredito
que a falta de contato com a psicose empobrece o conhecimento das
estruturas. De fato, como esperar de um analista de formação,
formado em cima da neurose, que dê conta de atender à psicose?
Muitos teóricos inclusive abordam a psicose em seus textos com
evidente pobreza clínica, recorrendo sempre para suas explanações
a casos clássicos já estudados como o caso Schreber e as irmãs
Papin.
Ora,
observa-se que em muitos serviços de saúde mental a psicanalise, e
também outros saberes, exercerem um papel de secretariar a
psiquiatria7.
Os casos são conduzidos pelo psiquiatra e os demais profissionais
entram com seus conhecimentos acessórios. E acontece de mesmo
quando o psiquiatra é ele mesmo psicanalista, só secundariamente, e
em algumas situações, ele recorre aos conhecimentos da psicanálise
como recurso do tratamento.
Em
suma, a inserção da psicanálise ampliada para o contexto da saúde
mental traz várias questões que não podem ser, de imediato,
respondidas. Ela diz respeito à formação do analista, ao alcance
da clínica, ao desenvolvimento técnico e teórico da psicanálise,
suas interfaces com outros saberes, os limites e alcance da sua
aplicação, sua inserção na cultura e como ela afeta e é afetada.
Não
estaria já no projeto metapsicológico de Freud o alicerce de uma
clínica ampliada? Não seria esta psicanálise, pelo seu alcance
clínico, suas repercussões sociais e na saúde, bem como na forma
de conceber o homem e a cultura muito mais interessante para o
conjunto da sociedade? Não seria este um espaço aberto de
possibilidades para novas clínicas, a compreensão de novos
sintomas, o exercício de novas práticas, extremamente rico para a
pesquisa, desenvolvimento e ampliação da psicanálise ?
Ao
final desta pequena explanação, uma conclusão nos parece evidente:
a psicanálise não é patrimônio exclusivo dos psicanalistas, mas
antes da cultura universal, apropriada em diferentes práticas,
clínicas ou não. Esta constatação nos coloca a pergunta, não
simples, de decidir até que ponto os psicanalistas detém a clínica
da psicanálise, ou para ser mais específico, qual a formação
requerida para quem opera com a clínica ampliada da
psicanálise.Mas isto quase é um tema para outro seminário.
* Texto apresentado no seminário "Efeitos Colaterais da Psicanálise", promovido pelo Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia da UFMG, em maio de 2012.
NOTAS:
1Há que se lembrar que a psicanálise no Brasil é introduzida por psiquiatras e neurologistas que atuavam em hospitais psiquiátricos (Juliano da Silveira, Franco da Rocha) e neste meio teve um certo desenvolvimento sem que implicasse em mudanças na estrutura e no tratamento manicomial
2SAFOAUN, pg 6
3O termo psicanálise aplicada está muito vinculado a uma proposta clínica terapeutica em curso nos CPCT “Centros Psicanalíticos de Connsulta e Tratamento”, instituídos em alguns países que consiste numa clínica individual gratuito e com um tempo deter minado: “ O tratamento de curta duração se encerra com o número de sessões necessário para completar um ciclo, resolver um problema, recolocar suas coordenadas, abrir uma questão” : ALVARENGA, pg 2.
4Há casos infelizes da tentativa de se efetuar no contexto de saúde pública os processos da psicanálise restrita, simplesmente transportando uma lógica de consultório privado para um serviço de saúde mental. Certas situações beiram o cômico.
5Talvez os dispositivos que hoje em Belo Horizonte levem a proposta de uma clínica ampliada ao extremo sejam os Consultórios de Rua , serviços que atendem usuários de droga nas cenas de uso.
6“Na psicose a interpretação pode ser desastrosa, pode precipitar um surto psicótico”, Barreto, pg 153
7“na psicose, enfim, há que se recorrer à psiquiatria: primeiro vem o psiquiatra” Barreto, pg 152
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA,
Elisa: Nota sobre os Centros de Psicanálise Aplicada à Terapeutica:
In Blog da AMP:
http://ampblog2006.blogspot.com.br/2007/09/nota-sobre-os-centros-de-psicanlise.html
BARRETO,Francisco
Paes: Reforma psiquiátrica e movimento lacaniano. Belo Horizonte:
Itatiaia,1999
BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo
Técnico da Política Nacional de Humanização. Clínica ampliada,
equipe de referência e projeto terapêutico singular. 2ª ed.
Brasília: Ministério da Saúde,2007
FREUD,
Sigmund: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição
standard brasileira. Vol XXI: O futuro de uma ilusão, o Mal Estar na
civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro, IMAGO, 1996.
LINS,Carlos
Estellita (et al): Clínica
ampliada em saúde mental:cuidar e suposição de saber no
acompanhamento terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva Nº 14,
pg 205,215. ABRASCO,Rio de Janeiro, 2009.
MENA. Luiz Fernando
Belmonte; Contribuições das “Entrevistas do Momento Atual” para
a psicanálise aplicada à terapêutica- novembro/2009. Disponível
em:
http://www.clin-a.com.br/pdf/Contribuicoes_das_Entrevistas_do_Momento_Atual_para_a_psicanalise_aplicada_L_Mena.pdf
SAFOUAN,
Moustapha; Jacques Lacan e a questão da formação dos analistas.
ARTMED, Porto Alegre, 1985.
TEIXEIRA,
Antonio (org): Metodologia em ato. Belo Horizonte: Scriptum Livros,
2010
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